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A LGPD e o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e para a realização de estudos por órgão de pesquisa

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, Lei nº 13.709/2018) estabeleceu regras específicas para o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e para a realização de estudos por órgãos de pesquisa. Em conformidade com os propósitos gerais da lei, essas regras visam garantir que, sempre que associado à produção e à disseminação do conhecimento, o tratamento de dados pessoais seja realizado com segurança jurídica e com respeito aos direitos dos titulares.


Nesse sentido, pode-se afirmar que a LGPD procurou estabelecer uma relação de equilíbrio entre, de um lado, a proteção de dados pessoais e as garantias da privacidade e da autodeterminação informativa; e, de outro lado, a liberdade acadêmica e o livre fluxo de informações necessário para a realização de pesquisas nas mais diversas áreas do saber.


Em termos práticos, no entanto, a definição desse equilíbrio ainda suscita uma série de dúvidas sobre a adequação legal de procedimentos e interpretações adotados tanto por instituições de ensino e pesquisa quanto por entidades e órgãos públicos responsáveis por analisar pedidos de acesso e disponibilizar dados pessoais para pesquisadores.


Em levantamento realizado com o apoio da Ouvidoria, foram identificados cerca de 15 questionamentos relevantes sobre o tema, que foram encaminhados à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) por distintos atores sociais, a exemplo de órgãos do Poder Judiciário e do Ministério Público, universidades, institutos de pesquisa, arquivos públicos e pesquisadores em geral.


Entre as dúvidas, destacam-se os seguintes aspectos, que serão objeto de análise no presente estudo: (i) definição e alcance dos conceitos de “tratamento de dados para fins exclusivamente acadêmicos” (art. 4º, II, b) e de “órgão de pesquisa” (art. 5º, XVIII); (ii) bases legais que autorizam o tratamento de dados pessoais para a realização de pesquisas, em especial os arts. 7º, IV e 11, II, c, da LGPD; e (iii) delimitação de responsabilidades e forma adequada para a comprovação da identidade do pesquisador e de seu vínculo com o órgão de pesquisa a fim de instruir processos de disponibilização de acesso ou compartilhamento de dados pessoais para a realização de estudos.


É importante considerar que esse cenário de incerteza jurídica pode gerar impactos negativos sobre o desenvolvimento de pesquisas no País, impondo, ademais, obstáculos para a plena conformidade das práticas acadêmicas com a LGPD. Assim, por exemplo, um órgão do Poder Judiciário informou à ANPD que “vem se manifestando pelo indeferimento de pedidos realizados por pessoa natural para o tratamento de dados pessoais para fins de pesquisa acadêmica”. O mesmo órgão reconhece que esse posicionamento pode inviabilizar a realização de trabalhos acadêmicos, “razão pela qual se busca alternativas legais, alicerçadas pelo órgão responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD em todo o território nacional”.


Na mesma linha, uma Universidade Federal adotou, por cautela, a postura de negar pedidos de acesso à informação para fins de pesquisa, “por considerar a inexistência de ato normativo regulamentador” que disponha sobre a aplicabilidade do art. 7º, IV e do art. 11, II, c, da LGPD. Ainda segundo a mesma instituição, “o que se verifica é que a LGPD ao tempo que desejou não impedir o desenvolvimento de pesquisas no país, desejou preservar os dados pessoais […].


Entretanto, consideramos que tais questionamentos precisam de uma melhor orientação […] sobre o procedimento a se realizar com relação aos pedidos de acesso à informação de dados pessoais e/ou sensíveis para fins de pesquisas”.


Considerando esses aspectos, o presente estudo tem por objetivo elaborar uma análise sobre a interpretação das principais disposições da LGPD aplicáveis ao tratamento de dados pessoais realizado para fins acadêmicos ou por órgãos de pesquisa. Com isso, pretende-se fornecer insumos para subsidiar a atuação da ANPD em torno do tema, em particular no que tange à expedição de orientações que possam respaldar a disponibilização de acesso a dados pessoais e o seu respectivo tratamento para fins acadêmicos e de pesquisa com segurança jurídica e respeito aos direitos dos titulares.


O estudo está dividido em três partes. Na primeira, serão apresentados os contornos gerais do regime jurídico especial estabelecido pela LGPD para o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e de realização de estudos e pesquisas. Na segunda parte, será analisado o disposto no art. 4º, II, b, segundo o qual a LGPD não se aplica ao tratamento realizado “para fins exclusivamente acadêmicos, aplicando-se a esta hipótese os arts. 7º e 11 desta Lei”. A terceira parte discute o conceito de órgão de pesquisa e as bases legais previstas nos arts. 7º, IV e 11, II, c, da LGPD, incluindo aspectos práticos sobre a instrução de processos de disponibilização de acesso ou compartilhamento de dados pessoais para fins de pesquisa. Por fim, a conclusão do estudo sintetiza os principais achados.


Cumpre ressaltar que a análise se limita às disposições da LGPD. Isso porque a ANPD é o órgão central de interpretação desta lei, com competência para o estabelecimento de normas e diretrizes para a sua implementação, conforme previsto em seu art. 55-K, parágrafo único. Assim, não constitui objeto do presente estudo a análise ou a interpretação de critérios específicos de disponibilização de acesso ou de divulgação de informações pessoais, a exemplo dos previstos no art. 31 da Lei de Acesso à Informação (LAI – Lei nº 12.527/2011).

Da mesma forma, não constitui objeto do presente estudo a análise sobre padrões e técnicas utilizados em processos de anonimização e pseudonimização. Embora relevante para o tratamento de dados pessoais para fins de estudos e pesquisas, a discussão sobre este e temas correlatos demanda uma abordagem mais ampla, levando em consideração outros contextos e aspectos técnicos e jurídicos, que vão além dos propósitos deste estudo.


Em suma, o estudo não pretende ser exaustivo, seja em razão de limitações de
escopo e de tempo, seja por se tratar de uma versão preliminar, que busca promover a discussão pública e colher contribuições da sociedade, a fim de, em um momento posterior, estabelecer interpretações e orientações mais conclusivas.


A disponibilização pública da versão preliminar deste estudo, no formato de texto para discussão, atende às competências legais da ANPD para “promover e elaborar estudos sobre as práticas nacionais e internacionais de proteção de dados pessoais e privacidade” e para “ouvir os agentes de tratamento e a sociedade em matérias de interesse relevante” (art. 55-J, VII e XIV, LGPD).


Por fim, registre-se que comentários e sugestões podem ser enviados para a Ouvidoria da ANPD, por meio da Plataforma Fala.BR (https://falabr.cgu.gov.br/), observado o prazo indicado na página da ANPD na internet.